QUEM LUTA, EDUCA: o porquê da greve de professores na rede pública do Estado de São Paulo

De março a maio de 2015, houve passeatas de professores em Praia Grande, São Vicente, Santos e em todo o Estado; comandos de greve visitaram, diariamente, escolas da Baixada Santista e ocorreu adesão, como nunca se viu na região – tal como no restante do Estado –, durante as últimas décadas, à greve deflagrada pelo sindicato dos professores do Estado de São Paulo, a APEOESP; fechamento de rodovias por todo o Estado, ocupação da Assembleia Legislativa, vigília/acampamento em frente à sede da Secretaria de Educação do Estado e concentração de mais de 60.000 profissionais, todas as sextas-feiras, na capital, em assembleias e passeatas no MASP, na Avenida Paulista, na Praça da República e no Palácio dos Bandeirantes.

Por que os professores entraram em greve em 13 de março de 2015? Por que receberam o apoio dos estudantes e da sociedade? Por que o governador Geraldo Alckmin temeu e relutou tanto para abrir negociação com o sindicato da categoria e, quando aceitou conversar, ofereceu 0% de reajuste salarial? Eis alguns esclarecimentos.

Imagine que você tivesse estudado o mesmo tempo, sob a mesma exigência, em um mesmo lugar e conquistado o mesmo diploma que seu amigo. Em seguida, que ele foi trabalhar em uma instituição e você entrou no quadro de magistério da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Imagine que a instituição para a qual seu amigo trabalha, respeite todas as leis trabalhistas em vigência, sejam elas as estaduais ou federais; enquanto isso, na rede pública do Estado de São Paulo, de maneira ilegal, houvesse descumprimento à Lei do Piso do Magistério e, por isso, a sua carga horária de trabalho fosse bem maior que a do seu amigo. Imagine que o governador, não contente em descumprir uma lei federal, descumprisse ainda uma estadual e aprovada sob seu próprio governo, em 2006, e desrespeitasse a data-base de reajuste do funcionalismo público estadual [1 de março], postergando-a para 1 de julho.

Além da questão da carga horária, imagine que seu amigo recebesse R$ X ao mês; porém, você, com o mesmo diploma e desempenhando a mesma função [mas trabalhando mais], recebesse X – 75,33%: isso mesmo, imagine que sua defasagem salarial em relação a do seu amigo alcançasse 75,33%, a despeito de sua jornada de trabalho ser maior. E mais: imagine que o governador Geraldo Alckmin, em uma semana, aumentara o próprio salário e o do seu secretariado e, na outra, assinado o decreto 61.132, suspendendo o reajuste salarial em 2015 para servidores do Estado de São Paulo.

Seu amigo, ao final do ano, continuaria em atividade ininterrupta naquela outra instituição; contudo, imagine que você, ao trabalhar para o Governo do Estado de São Paulo, tivesse sido demitido por conta de uma lei – a da duzentena – que afasta os profissionais contratados e subtrai deles o pagamento do primeiro mês do ano: além de existir para que não configurasse seu vínculo empregatício com o governo do Estado de São Paulo, a lei impediria que, após algumas décadas, você se aposentasse. Seu amigo, enquanto isso, já estaria aposentado. E por conta da mesma lei, mais de 21.000 professores tivessem sido demitidos em 2015 e mais de 3000 salas de aula fechadas. Em suplemento ao problema em questão, imagine que seus colegas que já tivessem atingido idade e tempo de serviço suficientes para a aposentaria, esperassem, trabalhando, o direito ao benefício em uma humilhante fila cujo atraso alcançasse dois ou três anos.

Imagine que seu amigo encontrasse um local de trabalho higienizado, climatizado e com instrumentos necessários ao desempenho da função; você, ao contrário, enfrentasse uma multidão de alunos em cada sala de aula – houve casos, na capital do Estado e no interior, de sala de aulas com 90 alunos [!] –, salas de aulas sujas, sem ventilação e que contassem com os mesmos recursos disponibilizados aos professores do século XIX, a saber, giz e lousa [deteriorados]. Imagine que se você precisasse usar o banheiro, professor, obviamente, teria de trazer o papel higiênico de sua casa; se quisesse um café na hora do intervalo, teria de organizar entre seus colegas uma lista para, todo mês, um trazer açúcar, outro café, outro filtro. Se fosse aplicar prova aos seus alunos, teria de, do próprio bolso, fazer cópias da mesma… Imagine que um governo fosse capaz de colocar o Estado em crise hídrica e, logo em seguida, inventasse a crise do papel higiênico nas escolas, sucateasse-as e deixasse-as em péssimo estado de conservação.

Imagine que aquele estado de naturalização de uma série de absurdos, tal como Kafka e Murilo Rubião formularam em suas obras, deixasse de ser literatura e se efetivasse na realidade: imagine que tiranetes cumprissem à risca e com zelo os impropérios oriundos dos seus superiores hierárquicos e preferissem agir dentro da ilegalidade a se solidarizar com os professores.

Basta olhar para a escola estadual alocada no seu bairro, deixe de imaginar.

Por que os professores entraram em greve? Em verdade, a pergunta a ser feita, diante de tal quadro, teria de ser outra. Por que os professores não entrariam em greve se estão sob o jugo de um governo cujo sadismo se assemelha ao da personagem Heathcliff no romance de Emily Brontë, O morro dos ventos uivantes, e parece se regozijar em maltratar a educação no Estado de São Paulo?

 

ANDERSON ALVES ESTEVES

Professor da E.E. Dr. Reynaldo Kuntz Busch, em Praia Grande.

 

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